sábado, 26 de fevereiro de 2011

A carta do ultimo ser

Eis que sobrei
todos se foram
sim todos se foram e procurei
e como procurei

fiquei sobrando somente
ultimo de vários de minha espécie

fugi na ultima hora
todos morreram
inclusive meu amigo de viagem
sobrei sozinho inerte olhando a morte nos olhos

vendo as estrelas
pela janela de minha nave
não sei a quem escrevo
e porque faze-lo?

É esta esperança que não morre
a terra esta feia daqui de cima
o azul a muito se foi
verde não vê mais sobrando

só este encarnado que criamos
cor da mãe terra
que engoliu a todos

minha água é pouca
comida também
olho o espaço negro
e me vem uma ideia louca

será que eu
o ultimo ser vivente
encontrará a terra
aquela, famosa e prometida

Será que deus
é tão irônico assim?
Não, não creio que acharei vida
nem terra prometida

sou o ultimo exemplar ainda vivo
o ultimo coração que pulsa
ultimo de uma história comprida
de tantos que já se foram

eis que agora bebo
o ultimo gole de água
sim a ultima água
a ultima gota que me resta

como foi bom beber água
sim foi muito bom beber a ultima água
não beberei mais nada
guardarei minha dignidade humana

a ultima dignidade humana
um luxo que concebo a mim
mas sei que não durará muito
pouco tempo me resta eu sei

talvez o tempo desta carta
o tempo necessário de escreve-la
e ler é claro

se há o ultimo escritor
também há de haver quem o leia
nem que seja o próprio que escreve
e eis que sou o verdadeiro escritor

escrevo se não só para mim
grande ironia dos tempos
a verdade a muito buscada
e agora em minhas mãos reveladas

ainda sonho alto
coitado de mim
verdade revelada?!
Não há verdade só uma morte

a ultima morte
o resto é só palavras
palavras em cima de palavras

chega desta agonia!

não sei o que faço agora
se embrulho a ultima carta
e envio ao nada desta escuridão
e me jogo no abismo em direção a terra

ou se deixo minha ultima dignidade de lado
e encravo a carta como uma ultima lápide
na ultima tentativa grosseira de viver alem
e me lance na escuridão do espaço

e eis que de repente escolho
ainda calculo probabilidades
será mais fácil se algum dia
encontrar a terra do que uma carta no espaço

e decido me jogar junto
engolindo forte e com dignidade
vou fazer meu próprio enterro
e eu mesmo botarei minha lápide

e aqui jaz o ultimo dos seres
e viva a comédia da vida
e viva a vida

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