“O rio de janeiro é uma tia velha
Que não perdeu a pompa nem altivez”
Oswaldo Montenegro
O papel está em branco
Há um silêncio tão profundo
Que a madrugada descansa de uma dia puxado
Os pés latejam da realidade dura do cimento
Estou sempre com este passo adiante
Eis que me deparo com uma fenda ordinária
Que separa virtualmente os corpos passantes
Vou me esgueirando neste grotão imaginário
Tudo passa
Nada se toca
Apenas um esbarrar no vento
No rastro do cheiro dos que passam
Momentos singulares do cruzar as ruas
Uma igreja centenária dobra a esquina
No outro lado da rua
Uma praça se esconde nas obras de um edifico qualquer
De dia é tudo tão vivo
Como se as almas velhas que por ali passaram,
E hoje jaz enterrada num caju distante,
Estivessem a dar corpo nas ruas estreitas da cidade
Na cidade quando as ruas se estreitam
Uma antiga fenda de um esgoto primitivo
Afundam os olhos do caminhante.
Paro na esquina e observo os sobrados antigos
Se apurarmos bem o ouvido
Talvez ainda ouçamos na curva da história
Um grito: declarativo, ordinário e sublime
“Vai à merda!”
Ah! Ninguém se
preocupa mais
Em apurar os ouvidos
É esse passo de poeta
Que não me deixa passar imune
E fico por alguns instantes
Saboreando este viajar no tempo da minha imaginação
Breves instantes aqueles
Eis que uma pessoa cruza em meu caminho apressada
Ela nem viu
Passou ocupada de mais no seu “smartfone”
Seus olhos mal olhava onde pisava
Caminhava num automatismo roto
A frase outrora declarativa
De que vinha a merda
Foi invertida em uma imperatividade
De que vá à merda
E a inversão não parou por ai
Inverteu também a realidade
Daquela que caminhava a pouco
Seus pés e seu corpo era uma ferramenta para o caminhar
Maquina do dia útil
Ah! Mas hoje estou sem paciência pra elas
Voltei ao meu caminho ordinário
E guardei meus passos de poeta no bolso
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