Com os olhos de poeta
Varri a modesta sala da memória
Eis que percebo sentado num canto
Um velho cego de amor e sua flor murcha
No centro da sala
Um poeta que revira as novidades
Como um folhear de revistas desinteressado
Vai despetalando os versos com soberba indiferença
Mas ao canto a esquerda
Vejo um poeta que se engasgou
No mais sublime ódio de mulher
E fez do seu silêncio a espera de acontecer alem
Mais ao fundo
Um poeta recado
Que fez do cotidiano
A superação de uma poesia fracassada
Sentado ao meu lado
Preso num espectro solar
Uma figura emblemática e intransponível
Ele sorri num misto de prazer e desdém
Na sala vizinha
Ouço os gritos abafados de desconhecidos
Ignorância necessária para viver a vida
Como se tira o viço das pedras ao pupilas
Nessa costura intima
Vou cravando o meu destino
Nodoas irremediáveis do porvir
Frases curtidas no sol de minha ciência
Todos eles são outros
Mesmíssimos outros neste eu perturbado
Mas não os trago no bolso da persona
Nem os sinto na fonte de minha humanidade
Eu os sinto nos olhos
Como velhos amigos
De uma amizade só minha
Como são solitários os poetas
Como são delicados os silêncios
Por entre os versos
Como são inúteis
E necessários todos os versos
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