Eis que sobrei
todos se foram
sim todos se foram e procurei
e como procurei
fiquei sobrando somente
ultimo de vários de minha espécie
fugi na ultima hora
todos morreram
inclusive meu amigo de viagem
sobrei sozinho inerte olhando a morte nos olhos
vendo as estrelas
pela janela de minha nave
não sei a quem escrevo
e porque faze-lo?
É esta esperança que não morre
a terra esta feia daqui de cima
o azul a muito se foi
verde não vê mais sobrando
só este encarnado que criamos
cor da mãe terra
que engoliu a todos
minha água é pouca
comida também
olho o espaço negro
e me vem uma ideia louca
será que eu
o ultimo ser vivente
encontrará a terra
aquela, famosa e prometida
Será que deus
é tão irônico assim?
Não, não creio que acharei vida
nem terra prometida
sou o ultimo exemplar ainda vivo
o ultimo coração que pulsa
ultimo de uma história comprida
de tantos que já se foram
eis que agora bebo
o ultimo gole de água
sim a ultima água
a ultima gota que me resta
como foi bom beber água
sim foi muito bom beber a ultima água
não beberei mais nada
guardarei minha dignidade humana
a ultima dignidade humana
um luxo que concebo a mim
mas sei que não durará muito
pouco tempo me resta eu sei
talvez o tempo desta carta
o tempo necessário de escreve-la
e ler é claro
se há o ultimo escritor
também há de haver quem o leia
nem que seja o próprio que escreve
e eis que sou o verdadeiro escritor
escrevo se não só para mim
grande ironia dos tempos
a verdade a muito buscada
e agora em minhas mãos reveladas
ainda sonho alto
coitado de mim
verdade revelada?!
Não há verdade só uma morte
a ultima morte
o resto é só palavras
palavras em cima de palavras
chega desta agonia!
não sei o que faço agora
se embrulho a ultima carta
e envio ao nada desta escuridão
e me jogo no abismo em direção a terra
ou se deixo minha ultima dignidade de lado
e encravo a carta como uma ultima lápide
na ultima tentativa grosseira de viver alem
e me lance na escuridão do espaço
e eis que de repente escolho
ainda calculo probabilidades
será mais fácil se algum dia
encontrar a terra do que uma carta no espaço
e decido me jogar junto
engolindo forte e com dignidade
vou fazer meu próprio enterro
e eu mesmo botarei minha lápide
e aqui jaz o ultimo dos seres
e viva a comédia da vida
e viva a vida
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