segunda-feira, 28 de junho de 2010

Vida de Gado

Podem cortar a cerca
não faz diferença
não sei fugir
obedeço cotidianamente

Assim passam meus dias
ando por entre a massa ordenada
e aqueles que acham qual quer coisa alem
coitados não enxergam a cerca

não sei o que me segura deste lado
o fio tenso em que me penduro
me arrebenta o choro e cabeça

e assim passam-se os dias
entre um passo e outro
vou sendo feliz no espaço que me cabe

A mágica construção moderna

Sujo andava pela rua
a chuva parou a cidade imunda
E ele perdeu sua casa pela água
perdeu seus filhos sua mulher

mas ainda não tinha chegado em casa
não sabia da tragédia que despencava
nem que o barro misturado ao cimento
sufocava seus sonhos seus entes

quando chegou no morro acabado
um vizinho o olhou meio perplexo
com pode estar em pé
em pé estou meu camarada

embaixo da terra e em cima do chão
o desespero saltou-lhe a face
minha família minha casa
a terra engoliu o que no alto estava

a água lavou o morro
levando filhos netos sonhos
levava também um recado
da mistura da terra da água cimento e metal

mistura moderna da arrogância
mistura encrostada na pele do pião
mistura issoça e quebradiça
mistura mágica que se acredita
que tudo faz

O ridículo

A rima é ridícula
O poeta é ridículo
é ridículo ler poesia
mas eu adoro ser ridículo

O caminho

No meio do caminho
não tem pau ou pedra
nem um fim de resto no tacho

o caminho é meio que no meio
é uma metade que não tem inteiro
um nó que não se acaba

não tem pau ou pedra
no meio do caminho
o caminho acaba ao meio

inteiro reduzido ao instante
ninguém sabe do ultimo suspiro
talvez ficou algo pendurado na estante

tabuletas nas paredes dos bares
roupas no rol que não se lava
e o poema que jamais será escrito

as pedras não passam do caminho
cacos de vidro coisas agudas pra machucar
toco, madeira e vamos rir pra não chorar

A grande ilusão de caminhar adiante
de ser caminhante de caminhos tortuosos
sim

pedra
flor
cacos
forma
cor

nomes alheios
livros estantes e dedos
tecendo a teia de se caminhar

O caboclo amazônico

Poema dedicado ao Caboclo velho Pirua
que conheci em viagem a Manaus
nos dedos de prosa
dessa vida


De riso frouxo
voz mansa e dedo na costela
senhor de terras pequenas
na amazônia gigante

todo essa floresta
que eu homem tão cinza
não consigo imaginar
o tamanho deste mundo

e ele conta seus contos
dia a dia vai vivendo
lembrando as coisa
nunca esquecendo

terra à cultivar
mata intocada
o grande ar condicionado noturno
na força desse caboclo

e fala sorrindo
“eu e que não gasto luz
com esse mato do lado
é melhor que qualquer condicionado”

e vai no mesmo carro que eu
operar uma catarata
que os olhos da vida ainda não comeu
ficou embaçado no canto da mata

Itaquatiara
na grande viajem a Manaus
a cidade grande no meio da mata
opera os olhos desse caboclo

tão cheois de políticas
e a vida que vai sumindo aos poucos
escorrendo por entre os dentes
queimando nas matas

e corre o vento fresco da noite
as janelas se abrem
ventilador não carece
nem esse tal computador

“que carrega no bolso
todas as coisas do mundo”
dizia o caboclo insatisfeito
dessa maquina que tudo sabe

eu no auge do meu respeito
disse com os olhos mareados de amor
que sábio mesmo era o caboclo
vive na fresquidão da floresta e não carece luz elétrica

e o caboclo macho que só cão
amoleceu seu coração velho solitário
soltou uma gargalhada simples e verdadeira
e disse em tom solene esse tal calculador não tem nada não

O caboclo dono da verdade da mata
tinha toda razão
não se calcula o amor do pião
com maquina nenhuma não

A Safo de lebos

Dizem por ai
que safo a poetiza
se apaixonou por um marinheiro
Agora que o tempo é passado

é fácil dizer por ai
mas na boca do marinheiro
ainda ficou seu nome
como coisa de boa sorte

tá safo! gritou o marinheiro
o convés seco o problema resolvido
coisa boa no peito
e a verdadeira Safo

Aquela do amor eterno
ficou no colo do marinheiro
que a levou pro mar longe da terra
e agora a traz de volta

ela que recusou o poeta brilho dos olhos
que ensinou meninas o outro lado do amor
mais terno e constante
depois do luxo e da rejeição

fugiu com um amor marinheiro
e com todos os amores rejeitados
hoje que o tempo é passado
leio migalhas dessa verdadeira safo

mas tá safo
fiquemos assim
imaginando esse décima musa da lira
alem das aparências e luxurias

homem que vive no mar
no sarrafo que segura tudo
mulher que fica a esperar
dois lado mesmo e iguais

tá safo
não há vitimas
nem revanchismos
mas revanche é uma outra história

Quando tudo começou

E do silencio
fez-se a musica

como que do nada
fez-se a fala

o tempo riscou
na pedra da fala passada
seu amor final
de uno e do nada

oh senhor de barabas branca
humanizemos!

Este é Senhor do tempo e do mar
e das distancias da saudade

é um velho que carrega a tira colo
as nostalgias do sono

Orfeu é seu criado filho da borboleta
com a esperança sim duas mulheres e uma cria

O sono penetra devegar
baila a valsa do agora
abre os olhos internos
de pálpebras que não piscam

não piscam jamais os olhos de dentro
e Orfeu tem um irmão mais velho
este mais lento e profundo
que toca-nos dia a dia

o belo travesti negro da morte
não há nada após seus olhos fechados
apenas um grande poço obscuro e profundo
onde caímos em nós mesmos

é quando as palpebras de dentro se fecham
ou piscam quem sabe
não tem lado após os olhos de dentro
nem face nem fronte

é um espectro de si
um espelho fosco de narciso
A morte é o senhor do ridículo
retorno dos deuses

E quando nasci
junto com este universo
sabia todas as coisas
eu erá todas as coisas

da força primeira não sei
precede o silencio de minha fala
mas sei que sou tão velho
como todas as coisas que conheço